(publicado no JR n.º 4 de Fevereiro de 2003)
Anda um espectro pelo mundo — o espectro da globalização. O mercado mundial é hoje uma realidade: não há dona de casa que não o saiba já, quando, com porte épico, desliza pelas «grandes superfícies» (oh! homérica expressão!) com o seu carrinho de compras. Ei-lo pleno de produtos das mais variadas partes: das bananas da Colômbia à carne da Nova Zelândia, passando pelo bacalhau da Noruega, não tem conta o estendal multilíngue de toda a mercaria do universo.
Mas não se trata apenas de um processo económico. Estamos perante uma dinâmica nunca vista de homogeneização cultural: uma americanização selvagem de hábitos e costumes. Assistimos até a uma espécie de colonização do imaginário à escala planetária, da qual, aliás, Hollywood é o melhor instrumento, porquanto o cinema se tornou no «máximo produtor de ideologias mercantilizadas do século XX» (M. Canevacci). Na verdade, a indústria audiovisual, «em vez de ajudar didacticamente a compreender, amplia desme-suradamente o mecanismo de nós e os outros (in–group — out-group), graças também ao poder persuasivo da imagem» (idem). Daí que as reacções identitárias contra o fenómeno da globalização juntem numa mesma amálgama militantes de extremos opostos: «nacionalistas» de direita e «multiculturalistas» de esquerda.
Assim sendo, numa época em que o fluxo anónimo do capital financeiro, circulando à velocidade da luz, e as tomadas de decisão de gestores sem rosto das empresas multinacionais determinam — sem qualquer controlo democrático — o destino da arraia-miúda da Terra, achamos por bem propor como tema de capa deste número um motivo às avessas do «cinzentismo» reinante: Heróis do Nosso Tempo. São eles, segundo os artigos publicados, sujeitos cujo retrato engrandece quem os reencontra no seu próprio espírito: Jesus de Nazaré, Capitão Salgueiro Maia, Martin Luther King, Gago Coutinho, Madre Teresa de Calcutá — e tantos outros.
Neste contexto, claro está, ganha especial significado a homenagem a um homem desta casa: o professor Sousa Pereira. E em tempos de mercantilização do saber, agora reduzido à moeda corrente da informação, é preciso insistir nesta nota: chegou o momento de reconhecer os heróis que há entre nós…
Esperamos portanto que o «JR», que é de todos e para todos os membros da comunidade educativa, cumpra deste modo um dos seus principais objectivos: promover o debate interno de ideias.
Last but not least: uma palavra de agradecimento a quem connosco colaborou com toda a gentileza e empenho, tornando assim possível a publicação do quarto número do «JR». Muito obrigado!
Eurico Carvalho